1 de maio de 2016

Zazenkai Daissen Ji Zen Maringá e Daissen Ji Zen Londrina - 23/04/2016

O Zazenkai foi realizado no dia 23/04/2016, no Centro de Espiritualidade Rainha da Paz em Maringá-PR.
Sob a figueira, o eremita Gautama focou todos os seus formidáveis poderes de concentração para examinar profundamente o seu corpo. Observou que cada célula era como uma gota de água de um rio fluindo infindavelmente através do nascimento, existência, morte, e não conseguia encontrar nada no corpo que permanecesse imutável, ou que se pudesse dizer que contivesse um eu independente. Intermesclado com o rio do seu corpo, estava o rio dos sentimentos, no qual cada sensação era uma gota de água. Essas gotas também se misturavam umas com as outras num processo de nascimento, existência e morte. Alguns sentimentos eram prazerosos, alguns, desagradáveis; alguns, neutros, porém tudo era impermanente: eles apareciam e desapareciam assim como as células do corpo.

Com sua grande concentração, Gautama explorou a seguir o rio das percepções que seguem fluindo ao longo dos rios do corpo e dos sentimentos. As gotas no rio das percepções mesclavam-se e influenciavam uma à outra em seu processo de nascimento, existência e morte. Se a percepção de alguém era equivocada, a realidade lhe aparecia velada. Ele viu que as pessoas eram apanhadas em infindável sofrimento devido às suas percepções distorcidas: elas acreditavam ser permanente, o que é impermanente; acreditavam ser um eu, o que não é um eu; acreditavam que aquilo que não tem nascimento e morte, tem nascimento e morte, e dividiam em partes o que é inseparável, indivisível.

Em seguida, Gautama focou a luz da sua consciência sobre os estados mentais que eram fontes de sofrimento – medo, raiva, ódio, arrogância, inveja, apego e ignorância. A plena consciência irradiou-se dentro dele como um sol brilhante, e ele utilizou aquele sol de consciência para iluminar a natureza de todos estes estados mentais negativos. Viu que eles emergiam devido à ignorância. Eram o oposto da mente atenta. Eram a escuridão – a ausência de luz. Ele viu que a chave da liberação residia em sobrepujar a ignorância e penetrar profundamente no coração da realidade, atingindo uma direta experiência dela. Esse não era um conhecimento baseado no intelecto, no raciocínio, mas na experiência direta.

No passado, Sidarta havia andado por inúmeros caminhos para dominar o medo, a raiva e o apego, porém os métodos que tinha utilizado não geraram frutos porque eram apenas tentativas de suprimir tais sentimentos e emoções. O monge agora entendia que a causa deles era a ignorância e que, quando alguém se desvencilha da ignorância, os obscurecimentos mentais se desvanecem por si mesmos, como sombras desaparecendo sob a luz do sol nascente. O vislumbre de compreensão de Sidarta era fruto de sua profunda concentração.

Ele sorriu e elevou o olhar para uma folha da árvore pipal impressa contra o céu azul, sua haste revoando para frente e para trás como se o estivesse chamando. Olhando profundamente para a folha, com clareza, viu a presença do sol e das estrelas – sem o sol, sem a luz e o calor, ela não existiria. Isto é assim, porque aquilo é daquela maneira. Também viu, na folha, a presença das nuvens – sem nuvens, não poderia haver chuva e, sem a chuva, a folha não poderia ser. Ele viu a terra, o tempo, o espaço e a mente – todos estavam ali presentes. Realmente, naquele exato momento, o universo inteiro existia naquela folha. A realidade da folha era um maravilhoso milagre.

Embora, ordinariamente, pensemos que uma folha nasça na primavera, Gautama podia ver que ela já estava lá por um longo, longo tempo, na luz do sol, nas nuvens, na árvore e nela mesma. Vendo que a folha jamais havia nascido, pôde ver que ele próprio também jamais havia nascido. Ambos, a folha e ele mesmo, tinham apenas se manifestado – nunca tinham nascido e, assim, eram incapazes de morrer. Com este vislumbre de consciência, ideias tais como nascimento e morte, aparecimento e desaparecimento, dissolveram-se, e a verdadeira face da folha, assim como a sua verdadeira face se revelaram. Ele pôde ver que a presença única de qualquer fenômeno tornava possível a existência de todos os demais fenômenos. Um incluía todos, e todos estavam contidos em um.

A folha e seu corpo eram um. Nenhum deles possuía um eu separado ou permanente. Nenhum deles podia existir independentemente do restante do universo. Vendo a natureza interdependente de todos os fenômenos, Sidarta viu a natureza vacuosa de tudo – que todas as coisas eram desprovidas de um eu separado, isolado. Ele percebeu que a chave da liberação repousava nestes dois princípios de interdependência e não-eu. As nuvens flutuavam através do céu, formando uma alva base para a translucente folha da árvore pipal. Talvez, naquele entardecer, as nuvens encontrassem uma frente fria e se transformassem em chuva. Nuvens eram uma manifestação; a chuva, outra. As nuvens também eram não-nascidas e não morreriam. Se as nuvens compreendessem aquilo, Gautama pensou, com certeza, cantariam alegremente enquanto caíssem em forma de chuva sobre as montanhas, florestas e campos de arroz.

Iluminando os rios do corpo, sentimentos, percepções, formações mentais e consciência, Sidarta agora entendia que a impermanência e ausência de um eu são as próprias condições necessárias à vida. Sem a interdependência e ausência de um eu, nada poderia crescer ou se desenvolver. Se um grão de arroz não tivesse a natureza da impermanência e da vacuidade em relação a um eu, ele não poderia transformar-se na muda de arroz. Se as nuvens não fossem desprovidas de um eu e impermanentes, não poderiam se transformar em chuva. Sem a natureza impermanente e desprovida de um eu, uma criança jamais se transformaria em um adulto. “Logo, – ele pensou – aceitar a vida significa aceitar a impermanência e a ausência de um eu. A fonte do sofrimento é a falsa crença na permanência e na existência de eus separados. Vendo isso, entender-se-ia que não há nem nascimento nem morte, nem produção nem destruição, nem um nem muitos, nem interior nem exterior, nem grande nem pequeno, nem puro nem impuro. Tais concepções são falsas distinções criadas pela falsa intelecção. Se alguém penetrar na natureza vacuosa de todas as coisas, transcenderá todos os obstáculos mentais e se liberará do ciclo de sofrimento.

Thich Nhat Hanh

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